Mater Daemoniorum: heterotopia e demonização em Miguel e os Demônios, de Lourenço Mutarelli
DOI:
https://doi.org/10.13102/cl.v22iEsp..7278Resumo
O presente artigo busca refletir acerca das configurações heterotópicas da espacialidade na obra Miguel e os Demônios, de Lourenço Mutarelli, com especial atenção às figurações subterrâneas dos espaços por onde transita a personagem Cibele e que se relacionam diretamente à demonização de seu corpo. Logo, a espacialidade surge como um dos feixes principais da expressão do grotesco na obra. De um rico repertório, a obra dialoga diretamente com a cultura das maravilhas e a demonologia medievais, assim como com os processos inquisitoriais dos séculos XV e XVI, responsáveis pelos surtos de caça às bruxas. Através de uma reconstrução da arcaica figura da feiticeira, a narrativa permite uma releitura da discriminação da travestilidade na atualidade. Consonante a isso, a estética grotesca reforça-se ainda pela irrupção de uma violência incisiva aliada a elementos de um bizarro absurdo sem, com isso, recair ou intentar efeitos rasos de choque ou de um realismo meramente representativo. Pelo contrário, alienando a realidade da obra de qualquer verossimilhança racional, a ambivalência grotesca incide sobre o processo metamórfico do protagonista, no qual tais índices contribuem para o estabelecimento do que chamamos “cosmovisão grotesca”, abolindo as limitações de uma compreensão dualista e racional da existência, refletida na superação final das culpas que atormentam Miguel ao longo de toda a narrativa. As configurações desse espaço em que se desencadeia o processo de transformação de Miguel estabelecem, desse modo, um espaço à parte, profundamente expressivo de uma visão grotesca do mundo.
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